Olá povo lindo! Esta é uma publicação diferente. Com muita animação, divido com vocês a novidade de estar fazendo uma pós-graduação em Escrita Criativa. O texto abaixo é um exercício. Não é uma construção aleatória, fruto de pura inspiração, como costumam ser meus textos. O grande desafio foi juntar vários elementos diferentes e desconexos numa única narrativa. Por essa razão, o texto pode parecer sem conexão em alguns momentos. Mesmo assim, eu decidi publicar a minha evolução aqui no Papo Café Site! Durante um ano e meio os exercícios e textos produzidos na pós serão publicados aqui, sempre com o indicativo de que são oriundos do curso. Ademais, textos “normais” continuarão sendo publicados regularmente.
Essa é a novidade de hoje!
Espero que curtam acompanhar a minha trajetória de amor pela escrita.
Fiquem com Deus e com BENDITO PÁSSARO.

Entrou na farmácia em busca de qualquer coisa que pudesse dar um jeito naquela sujeira toda.
– Justo hoje!
Pensou.
– Maldito pássaro desarranjado! E que mira! Precisava ser na minha camisa branca?
Cristine alcançou o balcão de atendimento com os pensamentos bagunçados. Na sua mente turbada uma única ideia fixa: o pássaro maldito. Mas a voz do balconista a trouxe novamente à Terra:
– O que seria para a senhora?
Imediatamente a resposta saiu da boca de Cristine:
– O que você tem aqui para cocô? Quero dizer… Um pássaro maldito me acertou na manga da camisa, veja! Preciso consertar isso… O que você me sugere? Estou indo a uma entrevista de emprego.
– Olha… por que não tenta esses lenços úmidos aqui? Servem para limpar cocô de bebês. De repente funciona…
Ela aceitou. Afinal, não tinha outra escolha. E nem tempo a perder. Tascou um lenço da embalagem e passou no braço sujo. E o resultado foi um desastre! Agora a camisa branca de Cristine não tinha apenas um ponto, mas um borrão. O desespero bateu e ela encheu os olhos de umidade:
– Ai meu Deus… vou perder a entrevista!
Foi quando avistou sobre o balcão algo que poderia salvar o seu pescoço: uma tesoura. Sem pedir licença, avançou balcão adentro, passou a mão no objeto salvador e cortou as mangas da camisa. O acabamento, ela o fez com dobras no tecido. Mirou-se no espelho da farmácia e sorriu:
– Ficou ótimo!
De tanta euforia, deu um beijo na boca do atendente. Afinal, ainda estava em tempo de chegar onde queria. E, alegre, saiu às pressas, olhando para a rua, atrás de algum táxi.
Os lenços, ela esqueceu de pagar. E por motivos diferentes, o balconista esqueceu de cobrar.
Misturando-se entre pessoas e carros, Cristine foi desaparecendo na rua. O balconista acompanhou seus passos até onde a vista pode alcançar. E, por fim, ela sumiu… E ele lembrou:
– Ih, não cobrei a conta!
Então teve que pagar. Mas nem se importou: pagou aquela dívida com gosto. Com gosto de beijo roubado! E naquele instante um pensamento surgiu em sua mente:
– BENDITO pássaro, isso sim!
E suspirou.
Mas enquanto o balconista suspirava na farmácia, lembrando do beijo de Cristine, ela já estava quase chegando ao local da entrevista. Mal o táxi parou, logo saltou do carro. Praticamente atirou o dinheiro no colo do motorista, falando de modo apressado:
– Pode ficar com o troco!
E, a passos largos, entrou no prédio.
Sentiu-se aliviada e vitoriosa, pois no horário marcado Cristine estava lá:
– Yesssssssss!
Comemorou.
– Eu consegui. Aquele pássaro maldito não me deteve!
Foi quando lembrou:
– Meus Deus, a conta… Eu não paguei os lenços da farmácia… E agora estou recordando: beijei a boca do balconista desconhecido! Minha nossa… Eu sou casada!!! Bem… depois eu voltarei lá, pedirei desculpas e pagarei a dívida. E quanto ao beijo?? Ah, vou fazer de conta que não aconteceu, e ao meu marido jamais contarei esse detalhe…
Os pensamentos de Cristine foram interrompidos pela voz de Sandra, que a chamou para a tão desejada entrevista de emprego:
– Senhora Cristine?
– Sim…
Respondeu com certa tensão na voz
– Vamos por aqui…
E entraram na sala.
– Sente-se, por favor.
Sandra era a chefe do departamento de telemarketing da firma. Cristine, que era muito observadora, rapidamente constatou que estava diante de uma mulher bonita, atraente, de riso aberto e trinta e poucos anos. Mas, apesar de exibir em sua boca de coração aqueles dentes alvos perfeitamente alinhados, havia algo de triste na expressão de Sandra. E, olhando para ela com mais atenção, percebeu uma barriguinha tímida, de recém grávida, muito embora não usasse aliança em nenhuma das mãos:
– Ah… vai ver não gosta de anéis. Ou será que não pode usar?
Maliciou Cristine em pensamentos.
A entrevista começou. E tudo transcorreu muito bem. O santo de Sandra bateu com o de Cristine. Bateu tão forte que ela foi contratada na mesma hora. Afinal, justificou a futura chefe:
– Preciso treinar alguém com urgência para ficar no meu lugar quando estiver em licença-maternidade.
E sorriu. Um sorriso lindo e triste. Cristine quis comentar mas palavras não saíram de sua boca. Teve certeza que a gravidez de Sandra era apenas dela. Seu íntimo de mulher sentia isso. Diante do silêncio de Cristine, Sandra pousou as mãos sobre a barriguinha e falou:
– Produção independente! Sabe como são essas coisas… O pai não quer assumir.
E, baixinho, completou:
– É que ele é casado!
E piscou um olho.
A reunião das duas terminou.
Cristine foi embora satisfeita. Não via a hora de contar ao esposo a incrível aventura daquele dia. Menos a parte do beijo, é claro!
Voltou para casa de ônibus. Durante o trajeto, divagou sobre o dia recém vivido. Matutou a respeito da ironia da vida, como era estranho pensar que uma mulher linda, de riso aberto, estava para ter um filho de um homem que não era dela, um homem comprometido. E, ela própria, que era devidamente casada no civil e no religioso, com todas as pompas e circunstâncias que a sociedade exige, que vivia um casamento sólido e longo, não tinha filhos. Não que não os quisesse. Deus é que não havia permitido.
– Ainda…
Torcia Cristine.
A única gestação que teve, perdeu antes que pudesse saber o sexo do bebê. Pensou na dor daquela perda, na vontade imensa de ser mãe que havia dentro do seu coração. E nesse instante sentiu inveja de Sandra. Remoeu seu amargor em pensamentos:
– Aquela mulher de riso aberto e sem homem, que guarda agora em seu ventre a flor que eu esperava, a flor azul, a rosa.[1]
Uma ponta de tristeza invadiu seu peito já endurecido ao comparar a sua vida com o pouco que sabia sobre a vida de Sandra. Mas logo espantou dos pensamentos aquela infeliz comparação. Pois ela estava, finalmente, empregada. E era de bom tom que se acertasse com Sandra. Afinal, aquela mulherzinha de dentes escancarados, que mesmo na hora mais obscura desafiava o próprio riso[2], seria, agora, a sua chefe.
[1] Inspirado no Poema: O Teu Riso, de Pablo Neruda.
[2] Inspirado no Poema: O Teu Riso, de Pablo Neruda
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